MARTA SUPLICY
Sujo, com todas as promessas de melhoria urbana fracassadas e povo da rua abandonado. É esta, infelizmente, a situação hoje do centro da maior cidade da América do Sul.
Em meados de 2002, como publicou na ocasião o Estado de São Paulo, o “déficit habitacional” paulistano para abrigar moradores de rua era estimado ao redor de 650 pessoas. Esse déficit, bastante reduzido em relação ao quadro de agora, foi resultado de trabalho árduo.
A secretária de Assistência Social Aldaíza Sposatti, tendo assumido o cargo em 1º de março de 2002, em quatro meses, criou 1,5 mil vagas, visando abrigar a população, sobretudo, para enfrentar o inverno que aproximava. Assim, a cidade contava com 8.063 vagas para cidadãos sem teto para uma população estimada pela Fipe (em 2000) em 8.706 pessoas.
Hoje, a imprensa noticia que novo censo foi realizado no fim de 2009, e este aponta que já são 13 mil pessoas vivendo nas ruas de São Paulo. Levando-se em conta que, atualmente, há pouco mais de 7 mil vagas em albergues da prefeitura, temos como resultado que, por volta de 6 mil, não têm onde dormir.
O Oficina Boracea, numa área de 17mil m², atendia 2 mil pessoas por dia oferecendo abrigo, refeição, telecentro, atendimento especial para idosos, oficinas profissionalizantes e até canil para os carroceiros. Tínhamos o maior conjunto de ações voltados à emancipação e proteção de 490.401 famílias, cujos programas carro-chefe eram: Renda Mínima, Começar de Novo e Bolsa Trabalho.
O Renda Mínima chegou a atender na nossa gestão (2001-2004), somando mais benefícios sociais (Bolsa Família, Bolsa Escola e Renda Cidadã), sem dupla contagem, um universo de 323.792 famílias.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, 327.188 famílias pobres da cidade poderiam hoje estar recebendo o benefício. Mas só 169 mil famílias recebem. Motivo: a Prefeitura não cadastrou as famílias pobres que teriam direito; pior, ainda, deixou de atualizar o cadastro das que recebiam o benefício e, com isso, 65.300 famílas que recebiam o Bolsa-família tiveram o benefício cancelado.
Bolsa Trabalho e Começar de Novo foram extintos. O Bolsa Aluguel só se mantém por ação do Ministério Público na Justiça.
Vemos hoje, também, que os CEUs não estão construídos na totalidade dos prometidos. Os que funcionam têm a participação da comunidade reduzida.
Não houve avanços na coleta seletiva. O projeto que demos início previa já termos um total de 31 Centrais de Triagem, uma em cada Subprefeitura. A Prefeitura conta agora com 17 centrais, apenas.
O que fica claro nesta tragédia que se tornou o centro de São Paulo é o total descaso e despreparo da gestão Serra-Kassab para com o social. Como diz a pesquisadora Camila Giorgetti, em reportagem publicada pela Folha de S. Paulo (dia 1º), o fenômeno se deve principalmente à inadequação dos programas assistenciais.
Será que dá para acreditar nas boas intenções dos que agora são favoráveis ao Bolsa Família e até querem aumentar seu rendimento? Com tantos anos aqui na capital paulista, o que observamos foi um total desmantelamento dos bem-sucedidos programas sociais existentes.
Lembro ainda do abandono de um empréstimo concedido pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que traria uma injeção de 100 milhões de dólares para a recuperação do centro. Com este dinheiro e contrapartida da Prefeitura, se o planejamento deixado fosse tocado adiante, já poderíamos ter recuperado vários prédios para habitação popular e resgatado áreas degradadas; também construído dois piscinões no centro, diminuindo o problema das enchentes que tanto afetam a região. Em nome do que tudo se perdeu? Da ganância, da especulação imobiliária e do pouco se importar com a situação dos que têm menos?
A lição que fica: a recuperação do centro de uma cidade implica cuidar e arrumar soluções para os mais frágeis, criar habitação para todos os níveis sociais, utilizar com determinação e ousadia os recursos disponíveis para a melhoria da qualidade de vida dentro de projetos criativos e inovadores. Nada disso foi feito, mas precisa acontecer.
Texto extraído do site MPost - www.sigampost.com.br
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