Interessante texto da jornalista Liana Feitosa publicado no site "Canal da Imprensa" sobre a constitucionalidade na propriedade de mídia.
Imprensa sabe que é inconstitucional políticos serem donos de mídias, mas não explica o porquê
Definitivamente, políticos donos, sócios ou diretores de veículos de comunicação é uma prática comum no Brasil, mesmo indo contra a Constituição Federal. Ao fazer uma rápida busca pela internet é possível encontrar diversos materiais que analisam e citam essa prática. No site de notícias relacionadas à política Congresso em Foco, por exemplo, pode-se ler várias reportagens[1] que mencionam nomes de senadores e deputados que controlam emissoras de rádio ou televisão. O tema também já foi objeto de estudo do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)[2] através da jornalista Fabíola Mendonça, especialista em História do Pernambuco, e do professor Edgard Rebouças da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), orientador da pesquisa. No Observatório da Imprensa, veículo jornalístico que analisa o comportamento da mídia desde 1996, também é possível encontrar outro dado[3] sobre a concentração de veículos midiáticos nas mãos de políticos brasileiros: 271 são sócios ou diretores de empresas de radiodifusão no país.
Porém, de acordo com o artigo 54 da Constituição Federal, deputados e senadores não podem ser proprietários, controladores ou diretores de empresa concessionária de serviço público, nem estabelecer ou manter contrato com veículos de radiodifusão, ou seja, de rádio ou TV[4]. Isso porque essas empresas, que operam através da transmissão de ondas eletromagnéticas, necessitam de autorização do Governo Federal para funcionarem.
Para o caso dos vereadores, deputados estaduais, prefeitos e governadores, existem leis semelhantes que também proíbem a prática. “Na verdade, as disposições federais devem ser reproduzidas nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas de cada município como uma espécie de extensão da Constituição Federal”, esclarece o professor Vidal Serrano, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP) e professor-assistente na mesma universidade. A norma só não vale para veículos impressos, já que esses não dependem de concessão para funcionarem (artigo 220, parágrafo 6º)[5]. Portanto, não é raro encontrar políticos que são donos ou sócios desse tipo de mídia. Na verdade, só este tema exigiria a produção de outra reportagem para esclarecer a relação entre políticos e concessões públicas. Afinal, existe uma contradição aqui.
Imagine um político atuante da cidade X. Já que a Constituição o proíbe de possuir concessão de mídias de radiodifusão, suponhamos, então, que ele opte por ser dono de um jornal diário impresso. Após algumas edições publicadas desse novo veículo, o público parece gostar do material e em pouco tempo o jornal atinge tiragem que abrange cerca de 30% da população. Será que a influência do conteúdo produzido nesse jornal na vida do cidadão é tão insignificante a ponto de ser desnecessária a criação de uma norma que regule a posse de veículos impressos por parte dos governantes? Em outras palavras: um deputado estadual não pode ser dono de uma rádio, mas pode ter em seu nome o principal jornal impresso do estado que representa, por exemplo? Essas questões exigem resposta. Se dermos as respostas nesse texto, fugiremos do foco proposto na determinação da pauta. Mas isso não nos impedirá de buscar explicações para as indagações feitas no parágrafo anterior. Por isso, esse material poderá ser conferido em nossa próxima edição.
Porque é inconstitucional?
Mas, enfim, o que fica claro até aqui é que, através da análise de dispositivos legais e de normas, no Brasil, os políticos não podem ser donos ou possuírem cargo remunerado em veículos de radiodifusão – fato que ocorre apesar da inconstitucionalidade. Porém, a informação que a mídia não esclarece é: porque os poderosos das Assembleias Legislativas, Câmaras e Congresso não podem ser concessionários de rádios ou TVs?
Que tipo de prejuízo um político dono ou sócio de veículo midiático pode causar à sociedade?
Para o sociólogo Venício de Lima, pós-doutor em Comunicação pela Universidade de Illinois e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB), se um político cujo mandato está em vigor possui ligações empregatícias com alguma rádio ou canal de TV, automaticamente está sendo desleal na corrida eleitoral. Isso porque as campanhas políticas são feitas, fundamentalmente, pela mídia. Não só através dos horários políticos, mas principalmente através do que a imprensa divulga cotidianamente sobre os candidatos. “Se um político no exercício do seu mandato pode usufruir dessa concessão para construir sua imagem pública, ele já desfruta de uma condição desigual em relação a quem disputa as eleições com ele”, afirma. “Isso é profundamente anti-democrático. Se essa situação existe, é irregular, portanto, deveria ser combatida”, analisa o especialista.
A questão é que a comunicação e a mídia parecem um imenso terreno movediço para que regras sejam estabelecidas. Não se pode afirmar que um governante que possui laços estreitos de relacionamento com veículos de comunicação seja incapaz de produzir conteúdo de interesse público e ser isento. Mas, também, existe o risco de ele fazer uso de ferramentas midiáticas para benefício próprio. “Há sempre a possibilidade de associarem a imagem das coisas boas feitas durante determinada administração com o ocupante do cargo público na época. Isso sempre oferece uma vantagem para quem disputa a reeleição em relação àquele que concorre pela primeira vez ao cargo, por exemplo”, avalia Venício de Lima.
Antiético
Além dos aspectos que regem as concessões de empresas de radiodifusão, existe a questão ética que também faz parte da discussão sobre políticos e o envolvimento desses com a mídia. Para a jornalista Daniela Lima, que cobre política no Correio Braziliense, a sociedade deve sempre observar o relacionamento do poder público com veículos de comunicação. “Tanto o leitor quanto a imprensa precisam estar atentos porque o político pode usar a mídia para difundir até mesmo interesses pessoais”, alerta. E é nessa prática que mora o perigo do monopólio de opinião: “As várias vozes da sociedade têm que estar presentes nos veículos de comunicação”, lembra o doutor em Comunicação Alfredo Vizeu, sócio-fundador da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). E se isso não ocorre, não há a possibilidade de contrastar ideias.
Entretanto, o político não precisa ser o dono de um jornal para só então exercer influência sobre o veículo de comunicação. “Se ele [o governante] se relaciona bem com o jornalista do veículo X, ele vai ter a oportunidade de se expressar melhor nesse veículo, ou seja, vai ser mais bem representado através da reportagem que o jornalista produzir, por exemplo”, retoma Daniela.
Mas essa não é uma tarefa fácil. Nem todo telespectador, leitor ou ouvinte tem capacidade de perceber relacionamentos “nos bastidores” do poder político. Em Petrolina, Pernambuco, muitos sabem que algumas rádios do Estado pertencem à família Coelho[6], mas a maioria da população não tem esse conhecimento. Então, para os que desco-nhecem o envolvimento de políticos com veículos de comunicação, é preciso atenção dobrada. “O indivíduo precisa desenvolver, com o auxílio do veículo, capacidade crítica para poder formar uma opinião própria, pessoal”, recomenda a jornalista.
Em meio a tantos detalhes que merecem atenção, cabe ao jornalista, então, “ter sabedoria e discernimento para saber até que ponto o que ele está fazendo pode prejudicar o relato fiel dos fatos e a busca pela imparcialidade”, reflete João Paulo Ferreira, produtor de jornalismo da EPTV, a afiliada da Rede Globo em Campinas. Afinal, acima da obrigação com editores, chefes e donos de mídias, o jornalista deve, em sua obrigação máxima, atender as necessidades da sociedade[7].
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